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Pensando sobre moda

novembro 6, 2009

katetestino

Ontem foi o último dia do Pense Moda, evento que, como o nome já diz, tem o objetivo de fazer com que os participantes reflitam e discutam assuntos ligados ao universo da moda. A ideia é ótima, claro, e é muito bom ter um espaço de discussão de moda com profissionais, estudantes, professores etc. O problema é que, até um pouco antes de começar a programação de ontem, eu estava super frustrada porque o Pense Moda não estava me fazendo pensar.

Eu explico. Essa foi a primeira vez que eu fui ao evento e minha expectativa era de ver mais discussões ligadas ao fenômeno moda, uma abordagem mais filosófica mesmo, que é a parte que mais me encanta dessa coisa toda. Mas a maioria das discussões estão concentradas mais no varejo, na parte aplicada, digamos assim. Como por exemplo, nos negócios de moda, na utilização de novas mídias e no trabalho de estilistas. Eu entendo que todas essas coisas são importantes e devem sim ser discutidas e mostradas, mas pensar moda pra mim vai tão além disso que tratar mais desses aspectos imediatos  do que do sistema de moda, de como ela se manifesta em diversos aspectos da sociedade (não só nas roupas), da noção do efêmero  e da sedução (Lipovetsky feelings) torna o tema muito redutor.

Acho que isso tem mais a ver como o meu legado de teorias da comunicação mesmo, porque, pelo que pude perceber, o povo da moda não costuma fazer esse tipo de abordagem, o que é uma pena. Também acho que nem é um problema do evento, mas da falta mesmo de pessoas que discutam a moda do ponto de vista fenomenológico.

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De qualquer forma, as coisas melhoraram bastante no último dia, com a presença do filósofo norueguês Lars Svendsen, autor do livro Fashion: a philosophy (que eu não li ainda, mas se o Alcino Leite Neto recomenda é porque é bom mesmo). O assunto foi a crítica de moda e como ela se encontra ainda em um estágio muito imaturo em relação à crítica de arte ou literatura, porque na moda os jornalistas  não costumam fazer um julgamento crítico, sendo muito condescendentes com os estilistas.

Fazer uma boa crítica sobre qualquer assunto é realmente uma tarefa complicada, porque implica não só bons conhecimentos da área, mas também bons conhecimentos gerais. Aqui no Brasil dá pra se contar nos dedos quem sabe fazer isso bem, né?  Alguns dos melhores exemplos, na minha opinião, são a Regina Guerreiro e o Alcino, que conseguem contextualizar uma coleção e ir além da simples descrição do que foi visto. Eu não arrisco mais do que fazer comentários, porque não tenho repertório de moda suficiente para fazer crítica de desfile.

Daí sobre esse assunto ainda fiquei pensando como crítica de desfile é também uma parte tão pequena do que se pode falar sobre moda. Sinto mais falta ainda de gente que fale da moda como produto cultural que tem forte impacto na sociedade e em nossas vidas, que pegue fatos cotidianos e analise do ponto de vista da moda, coisa que a gente aqui faz um pouco (felix mais do que eu). Nesse ponto também adoro os textos do Alcino e os do Vitor Angelo, dois dos poucos jornalistas que se propõem a fazer isso (não que todo precise fazer crítica, claro que também existem outros tantos textos ótimos de moda sobre outras coisas).

No mais, esse papo de legitimação da moda, de tentar fazer com que as pessoas a levem mais a sério, me incomoda um pouco. Pra mim é muito estranho em tempos de cultura massiva as pessoas ainda se preocuparem tanto em querer dar status de arte a todos os produtos culturais. Televisão não é arte, novela não é arte e também acho que moda não é arte, o que não significa que eles não sejam dotados de artisticidade  e de muitas possibilidades. Acho muito mais rico, em termos de análise, aceitar a efemeridade e a futilidade da moda (a beleza  da moda é tão arrebatadora…) não como pontos negativos, mas como características intrínsecas de um fenômeno super complexo.

4 Comentários leave one →
  1. reflicts permalink*
    novembro 7, 2009 3:47 am

    acho que o mais difícil de falar de moda é que, diferentemente das outras coisas q vc citou ( cinema, tv, artes em geral). ela não está circunscrita em um contexto específico, né. é uma coisa que se faz e se frui, mas que também se vive. talvez nesse ponto ela se aproxime até mais da RELIGIÃO do que dessas outras manifestações da cultura, em mais aspectos do que a gente imagina, eu diria.rs

    confissão PESSOAL aqui,mr: desisti de me decepcionar com a visão do povo da moda assim como decidi deixar de achar o povo de salvador uó. é meio inútil culpar uma pessoa por não saber aproveitar todo o potencial MÝSTICO do mundo em que ela vive.

    não to dizendo q vc fez isso. acho até memso vc bem sussa nesse tópico. acho que esse “intelectual da moda” ou ” pensador da moda” que agente espera uma coisa não-organânica. tlvz as pessoas que tivessem o ESTOFO INTELECTUAL, a SENSIBILADE e a PERSPICÁCIA necessárias pra cuidar desse tema como ele merece acabassem dando prioridade a outros assuntos mais “importantes”. e também tem sempre o fantasma do efêmero e do futil, né. não vejo, por exemplo, um humberto eco “desperdiçando” aí o pensamento dele neste único tema ( pra dar um exempl drástico). na direção oposta, não imagino um fashionista desses de carteirinha indo pro campo da teoria pra entender o universo da moda. acho que eles se contradizem em certa medida.

    se um dia aparecer aí esse messias, vai ser parecido com aquela última estrofe de “um indio”:

    E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
    Surpreenderá a todos, não por ser exótico
    Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
    Quando terá sido o óbvio
    -Q

  2. alinebotelho permalink*
    novembro 7, 2009 5:31 pm

    fez praticamente um post hein mi rs
    com certeza é muito mais dificil falar de moda, porque é algo que não diz respeito apenas à roupas, mas é isso que torna a coisa mais instigante, né.
    entao, fiquei decepcionada nesse caso específico pq era um evento que se propunha a isso (pelo menos era o que eu ingenuamente achava). no geral tb não fico pensando em como o povo da moda nao aproveita todo o potencial desse universo e tal. pra que ficar se martirizando por isso rs
    mas me conta, como o mundo do fashionista e o do campo da teoria se contradizem? acho que dá pra ser os dois (pelo menos no meu mundo ideal kkk)

  3. alcino permalink
    novembro 10, 2009 3:36 am

    Oi Aline,

    penso que você tocou num ponto importante, que pouca gente analisa: essa busca ansiosa por legitimação da moda como arte. Talvez isso não seja o principal nem o mais importante, mas apenas um detalhe da análise (ou da crítica) da moda. Como dizia o Baravelli há anos, já existe arte demais no mundo (rs).
    Gostei de seu blog e de suas reflexões. Fico contente também que tenha interesse pelo que escrevo.
    Um abraço do Alcino

  4. dezembro 8, 2009 9:51 pm

    Oi Aline

    Td bom? Também gostei bastante do seu post.

    Acho que há espaço sim dentro do Pense Moda para palestras que tragam mais reflexões, mas ainda estamos em busca de um formato que possa agregar as reflexões sem deixar de lado os assuntos que caracterizam a moda como algo rápido, novo e vivo. Eu, que adoro cultura pop, gosto de estar por perto e ouvir as pessoas do lado criativo falando. É mais uma coisa de ter gente que inspire: inspire uma carreira, inspire uma ideia, inspire uma mudança, inspire um projeto, coisas que causem um efeito mais rápido, que coloquem uma pilha na gente. Que faça a gente pensar de uma outra maneira, que nos traga ideias novas, etc. Isso também pode ser uma reflexão pessoal para a pessoa que assiste / ouve, dependendo da pessoa, claro.

    Quando tratamos de assuntos de forma mais profunda, primeiro precisamos de tempo para isso e de um público que se interesse por essa aproximação mais acadêmica e intelectual. Parece mentira, mas o público é muito dividido. Quem quer ver a Cecilia Dean não quer ouvir uma aula do Lars e por aí vai…

    Mas saiba que a gente ainda vai achar o equilíbrio entre os dois lados!

    Um beijo

    Camila

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